Para celebrar o abrandamento da pandemia da Covid-19 e o fim das muitas limitações, visitamos um restaurante Italiano. Na verdade, foi o nosso primeiro encontro em um restaurante desde então. Daí a nossa euforia.
O ambiente era acolhedor. De entrada foram deliciosas brusquetas, que receberam o acompanhamento de um espumante nacional simples, mas muito agradável, elaborado pelo método Charmat, isto é, com a segunda fermentação em tanque de inox.
Embora os pratos fossem individuais, visando a facilitar a harmonização, concordamos com o pedido do Beto: Ossobuco com risoto de grana padano. Quanto ao vinho, Rosinha, olhando para mim e minha esposa, apontou a carta e, com um sorriso maroto, sugeriu: “Que tal este Brunello de Montalcino?” Em razão do preço, de imediato olhei para Beto, esperando a sua reprovação. Mas, para o meu espanto, ele deu um tapinha na mesa e, com um largo sorriso para a esposa, festejou: “Vai ser Brunello, afinal faz muito tempo que não vamos a um restaurante.” A nós só coube concordar, pois aprendi com meu pai um ditado, que acho que foi ele que inventou ou adaptou: “Mais vale um amigo do que dinheiro no bolso”.
O garçom, que fez questão de dizer que estava concluindo o curso de sommelier, se esmerou no serviço. Esclareceu que o Brunello escolhido era da excelente safra de 2010, que recebeu cinco estrelas. Frisou que o vinho, seguindo a tradição, estagiou por dois anos em foudres, explicando que se tratava de grandes tonéis de carvalho. Entusiasmado, completou dizendo que, se não bastasse, ainda permaneceu maturando no produtor mais três anos, sendo colocado no mercado somente cinco anos depois da colheita. Para abrir, ele optou por um saca-rolhas de lâminas paralelas, para não correr o risco de a rolha quebrar ou esfarelar. Beto fez a prova e autorizou o serviço. O futuro sommelier verteu delicadamente o vinho em um decanter e recomendou, deixem o vinho oxigenar, respirar um pouco, para liberar os aromas e amaciar os taninos, enquanto isso vão se deliciando com as brusquetas e o espumante.
Apesar da recomendação do garçom, depois que ele se afastou, sugeri que fosse colocado um pouquinho de vinho na taça, só um fundinho. Que girassem várias vezes, sentissem os aromas e provassem. Todos concordaram que os aromas eram pouco pronunciados e o vinho se apresentava na boca um pouco austero.
Retornamos às brusquetas e ao espumante, no aguardo do prato principal. A conversa seguia animada, com a lembrança de fatos pitorescos. Em dado momento Rosinha, sem conter o riso, perguntou: “Vocês se lembram do mico que paguei na viagem ao Chile?”. “Sim, a história da pimenta no vinho merece até uma crônica”, comentei. “Não!” Contestou Rosinha sem parar de rir e completou: “Estou falando do caso da barrica…” Beto soltou a senha: “Atrevida!”. E todos caíram na gargalhada.
Eu conto! Era o segundo dia de nossa visita ao Chile. Estávamos conhecendo uma importante vinícola. Já tínhamos passado pelos vinhedos, degustado alguns vinhos e, ainda com taças na mão, estávamos na sala de barricas. Era circular e as barricas estavam impecavelmente dispostas da mesma forma, a partir do centro. Em alguns pontos não havia parede, mas arcos que conduziam para corredores, os quais estavam na penumbra, em contraste com a boa iluminação da sala. Enquanto o guia explicava por que alguns vinhos são colocados em barricas de carvalho, ouviu-se o barulho de taça quebrando e um grito: “Acode, acode aqui!” “Onde você está Rosinha? Gritou Beto, reconhecendo a voz da esposa e dando conta que ela não estava ao seu lado.
O guia voou através de um dos arcos e foi acompanhado pelos curiosos. Apesar da penumbra no corredor, a cena era clara: uma taça quebrada ao chão, uma barrica jorrando vinho pela torneira e Rosinha repetindo: “Mil perdões, mil perdões”. O guia esbravejou algo em espanhol: “Atrevida, não pode mexer nas barricas”.
Enquanto ríamos, chegou o prato principal e o garçom serviu o Brunello. Foi uma combinação perfeita com o osso buco. Ao final pedi que avaliassem se havia diferença no vinho. Unânimes, reconheceram que, no nariz, estava mais aromático e, na boca, muito mais macio. Expliquei: isso ocorreu em razão da oxigenação.
Enfim, permita Deus que sempre tenhamos bons momentos com nossos amigos.