O consumidor brasileiro se apaixonou pelo Malbec Argentino. Creio que um dos motivos está no fato de ser um vinho amigável, que não é difícil de se beber, além do preço atrativo dos vinhos produzidos pelos “hermanos”.
O que poucos sabem é que a uva Malbec não é originária da Argentina, mas do Sudoeste Francês, precisamente da região de Cahors. Ela também era muito plantada na região de Bordeaux, que pertencia ao Ducado de Aquitânia, um dos maiores e mais poderosos da França na idade Média. Ocorreu que o Duque de Aquitânia veio a falecer e entregou sua filha Leonor, com 15 anos, aos cuidados do Rei da França, Luís VII. Este, de olho na vastidão das terras da menina, casou-a rapidamente com seu filho, Felipe II. Pouco tempo depois, o rei morre, Felipe sobe ao trono e Leonor vira rainha. Passados quinze anos, ela alegou nulidade em seu casamento, a qual foi reconhecida pelo Papa Eugênio III.
Não esqueci do Malbec. Tenha Calma!
Novamente solteira, Leonor casa-se com Henrique Plantageneta, o Conde de Anjou, o qual integrava a linha sucessória real inglesa e, por isso, veio a tornar-se Henrique II, Rei da Inglaterra, em 1154. Leonor, novamente rainha, influência no comércio entre os dois países e o vinho de Bordeaux, que tinha uma grande proporção de Malbec no blend, passou a ser consumido no reino inglês. Eram milhões de litros exportados anualmente.
A Malbec continuou a ser cultivada em Bordeaux até que as videiras congelaram no implacável inverno de 1956, quando foram arrancadas e substituídas por Merlot. Mas aquela ainda está fortemente presente em seu berço: Cahors.
Em 1868 a Malbec foi levada para a Argentina pelo engenheiro agrônomo francês Michel Pouget e se adaptou muito bem na região de Mendoza, como seu novo lar, se revelando em um vinho completamente diferente daquele de sua terra natal. A tal ponto que um iniciante desavisado ao provar dos dois, pensará se tratar de uvas distintas. Essa diferenciação ocorre, em boa parte, em função do clima de cada região.
Cahors, em razão de sua posição geográfica, recebe influências do Mar Mediterrâneo e do Oceano Atlântico, tendo, de forma geral, um clima mais fresco que o de Mendoza, onde é quase desértico, dada a pouca chuva. Mas, o degelo da neve que cobre a Cordilheira dos Andes gera água suficiente para a irrigação.
Em Cahors o clima mais fresco implica uma menor maturação da uva do que em Mendoza, produzindo vinhos com maior acidez, taninos mais firmes e um menor teor alcóolico, aparentando-se rústico. Por sua vez, na Argentina, dada a grande insolação, a maturação é muito maior, os taninos são deliciosamente mais macios (o que agradou em cheio os brasileiros), o teor alcóolico é superior, o vinho é mais encorpado, mas a acidez é menor. Neste encontramos aromas de frutas negras e vermelhas maduras e, pela passagem em barrica de carvalho, notas de tabaco, chocolate amargo e cravo.
Houve época em que nossos vizinhos abusavam da maturação da uva e entregavam vinhos que pareciam uma bomba de fruta, mas com pouca acidez. A primeira taça era agradável, mas depois se mostrava enjoativo, faltava acidez. A solução ocorreu há vinte anos, quando Nicolás Catena, da Bodega Catena Zapata, levou os vinhedos para uma maior altitude no Vale do Uco, mais de mil metros. Nestas alturas os dias são ensolarados, pois não há nuvem, mas a temperatura noturna cai bruscamente e interrompe o processo de maturação, o qual fica mais longo e, com isso, retém-se a acidez e os aromas da Malbec, formando um vinho elegante, inclusive com nota de violeta, a qual passou a ser uma das características dos melhores Malbec. Este vinho ganhou uma pontuação altíssima do crítico americano Robert Parker e, assim, o Malbec Argentino passou ser reconhecido mundialmente.
Em 2015, Laura, filha mais velha de Nicolás Catena, visando contar a história da Malbec, lançou quatro vinhos de altitude, cujos rótulos homenageiam quatro mulheres, uma delas foi Leonor da Aquitânia: a rainha que difundiu o Malbec.
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