Admirados, olhando um para o outro e no final do copo, um a um disseram lentamente: Vinte anos!
Depois de alguns dias em Lisboa, dois em Fátima e um em Coimbra, chegamos à cidade do Porto, que rivaliza com a capital o título de qual seria a melhor de Portugal. Não entro nesta briga de patrícios e sempre respondi que gostava de ambas, mas não posso esconder que Porto é uma cidade encantadora.
O hotel foi escolhido a dedo, situado na Praça da Batalha, a duas quadras do esplendoroso Majestic Café, para onde nos dirigimos depois de deixarmos as malas, para o lanche da tarde, em substituição ao almoço que passara em branco.
Diante da fachada Belle Époque composta por suas altas portas de madeira envidraçadas, com enormes puxadores dourados e inúmeras mesas na calçada, paramos para admirar a beleza. Beto em silêncio, Rosinha hipnotizada, Toninho ansioso e Paula faminta.
Dirigi-me ao responsável pelo acesso e forneci meu nome. Após rápida conferência ele abriu a porta, autorizando, e disse para uma sorridente garçonete: Francisca, Sr. Ferreira, mesa 32.
A iluminação dos candelabros conferia ao ambiente a cor âmbar, trazendo uma beleza extra aos amplos espelhos emoldurados por madeira entalhada, que cobriam as duas laterais do salão. As mesas, dispostas em três fileiras que iam da porta ao fundo, tinham tampo de mármore e pernas torneadas, como as das cadeiras.
A nossa mesa era na fileira central, próxima a um maravilhoso piano de cauda, enfeitado com um veludo vermelho que servia de toalha para decanter, castiçais e uma grande garrafa de vinho, que deveria ter uns seis litros.
Após acolhermos a sugestão da simpática Francisca, todos pediram Club Sandwich, elaborado com frango grelhado, acompanhado de um refrescante espumante português da região da Bairrada.
Em razão do horário o local foi ficando cada vez mais tranquilo, então, Francisca se aproximou da mesa e iniciou uma agradável conversa.
O melhor estava por vir: a sobremesa. Diante do sucesso da indicação anterior todos acolheram a nova: Tarte de amêndoa do Algarve com Vinho do Porto Tawny 20 anos. Beto e Toninho ao provarem esta combinação não se contiveram de satisfação e indagaram à Francisca: Que vinho é esse? Parece licor!
Sem colocar limites ao sorriso já aberto, ela esclareceu: “É um vinho do Porto, passa a impressão de que é licor em razão de ser doce e do seu alto teor alcoólico. Vou explicar. Para se obter um vinho seco, o açúcar do suco da uva é transformado totalmente em álcool pelas leveduras. É o que se chama fermentação alcoólica e isso leva vários dias. Para se produzir o vinho do Porto, a fermentação é interrompida pela adição de aguardente vínica, pois esta mata as leveduras. Assim, fica um vinho com alto teor alcoólico, até 22 graus, e doce, em razão do açúcar que não foi convertido em álcool pelas leveduras. Este que vocês estão tomando é igual ao daquela grande garrafa sobre o piano. Foi preparado com várias uvas, sendo um blend, isto é, uma mistura de muitos vinhos de safras diferentes, que permaneceram em pipas de 500 litros muitos antigas. Na sua composição ele tem vinhos jovens e até alguns com mais de vinte anos. A sua qualidade equivale a um que tenha envelhecido vinte anos, por isso tem essa cor rubi acastanhado, notas de nozes, avelãs, passas e casa tão bem com tarte de amêndoas. E o mais importante, para harmonizar sobremesa com vinho doce, este deve ter um dulçor igual ou maior àquela”.
Admirados, olhando entre si e para o final da taça, um a um foram dizendo, lentamente: Vinte anos!
Francisca agradeceu a boa gorjeta e se despediu: Voltem sempre!
Siga o canal Apaixonados por Vinhos do Maurício no YouTube e também pelo Instagram @Apaixonadoporvinhos