Por Maurício Ferreira – Apaixonado por vinhos
Diante da exuberância da vegetação da costa baiana, extasiado, Pero Vaz de Caminha, escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, escreveu ao Rei de Portugal: “Nesta terra, em se plantando, tudo dá!”. Hoje, tal afirmação é aceita como uma hipérbole, uma figura de linguagem que autoriza o exagero. É sabido que, em virtude de um processo de desertificação que se instalou há décadas, parte do nordeste se transformou no semiárido que conhecemos, em cuja região há sede e fome e onde, segundo Euclides da Cunha, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, um verdadeiro “titã acobreado e potente” com “força e agilidade extraordinárias” que brotam das grandes e terríveis dificuldades que se lhe apresentam.
Estas qualidades, como afirmado, não são inatas, mas foram moldadas pela necessidade de sobrevivência e estão transformando a paisagem do sertão. Se fosse possível colocar Pero Vaz em um avião, saindo do Monte Pascoal, e sobrevoar o Vale do São Francisco (VSF), que abrange Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, ele veria um celeiro da fruticultura nacional e com certeza diria: “Exagero nada, até nesta terra inóspita ‘em se plantando, tudo dá.”’ Apenas um dado: o VSF é responsável por 87% da exportação de manga. A Viticultura está presente desde a década de 60, inicialmente com uvas de mesa, chamadas americanas, para consumo imediato e produção de suco. No entanto, atualmente, já se veem vastos vinhedos com uvas europeias, destinadas à produção de vinho fino.
Um dos primeiros temas que se aprende ao estudar o assunto é que o cultivo de uvas europeias para a produção de vinho fino somente é possível entre os paralelos 30 e 50, tanto no Norte, quanto no Sul. Por isso, a produção de vinho no VSF era inimaginável décadas atrás, pois ele encontra-se no paralelo 8, Sul, perto do equador, região muito quente e seca. O mais extraordinário está no fato de que as videiras são conduzidas para produzirem duas safras ao ano, enquanto que nas demais regiões inseridas na tradicional faixa dos paralelos 30 e 50 produzem somente uma.
O Milagre é fruto de muita pesquisa. A videira, nas demais regiões produtoras, hibernam no inverno, quando são podadas, e armazenam suas energias para o próximo período produtivo, que começa na primavera com a brotação e culmina com a vindima, no verão ou começo do outono. No VSF não há inverno. Na verdade, o ano todo tem sol, calor e falta de chuva que, na verdade, se tornou parte da solução. Através da irrigação controla-se todo o ciclo da videira, de maneira que ao ser privada da água ela entra em um estado de dormência semelhante ao que ocorre no inverno e assim permanece por dois meses. Restabelecida a irrigação a planta volta à atividade e logo começa a brotar, como se estivesse na primavera. Isto permite duas proezas, além da dupla safra anual, a possibilidade de produzir uva e vinho o ano todo. Sim! Basta que cada parcela do vinhedo seja privada da água em meses diferentes.
Este modo de produzir vinho já foi reconhecido como “Vinhos Tropicais” e também está sendo aplicado em outras regiões do globo com as mesmas características. O VSF já é a segunda região produtora de vinhos do Brasil, só perdendo para o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, que é a nossa única Indicação Geográfica reconhecida como Denominação de Origem-DO. Mas, já está em fase adiantada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI o reconhecimento do VSF como Indicação de Procedência–IP, um degrau abaixo de DO. Será a primeira IP de Vinhos Tropicais do mundo e poderá produzir vinhos espumantes e tranquilos, brancos, rosés e tintos, sendo 23 as castas autorizadas.
Destaco duas Gigantes do VSF, a Rio Sol e a Terra Nova, esta do grupo Miolo. Ambas investiram milhões e estão oferecendo desde vinhos simples, com ótimo preço, até os de qualidade superior. Dentre os melhores e premiados destaco Rio Sol Assinatura e Miolo Testardi Syrah.
Creio que Pero Vaz de Caminha não exagerou, ao menos quanto ao Vale do São Francisco.